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3-4/09/02
deslocada
a srta dá-me bom dia, quando bom dia não lhe peço
e eu em troca dou-lhe irrequisitado verso
as manhãs são parecidas, e o semelhante apavora
por isso quase toda manhã, se tenho tempo, perco a hora
e o sol nasce em ponto, me traindo, sem vergonha
reclamo porque posso. arrependimento, coisa medonha
sou eu também sem vergonha - vergonha de quê, eu deveria de ter?
nem do uso de palavras toscas, que eu mesma condeno, com muito prazer
e continuo a cantar os versos, sem música - eu não componho -
para não perceber a demora do cair da noite, encargo enfadonho
acendo a luz e, de súbito, penso no mal que faço à terra
e a necessidade da escrita, com a razão, trava uma guerra
por que eu escrevo? porque é prazeroso correr a caneta pelo papel
já que neste mundo saber é sofrer, não finjo ignorância, sou poetisa cruel
poetisa, pois soa melhor que poeta... mas na falta de rima melhor... esqueço
não sei o dicionário todo de cor, mas por ele nutro particular apreço
onde o sol nasce está todo o brilho do mundo, e o brilho dos olhos dela
que mais me aquece e me conforta, dentro da gélida e rústica cela
injustamente presa, me contento com suas visitas, as poucas palavras
e permaneço confinada, neste recinto traiçoeiro, de inúmeras travas
nem a mais aberta ferida, de onde pinga meu sangue pecador -
mas por si só livro-me do pecado, sem acreditar, pois é nobre a minha dor -
nem a ânsia mais profunda, a inconveniente loucura desvairada -
mais loucos os que não amam, e que da vida, não levam nada
nem a melancólica falta de esperança, que busco nos raios de um astro dos mais grandiosos
e na face pálida da dama da noite, e na imensidão salubre, que tantos deixa saudosos -
até a mim. nada disso, e nem mesmo todo o verde do meio, e todo o que há em minha pessoa
não é suficiente para borrar, a clareza do grito apaixonado, que no poema ecoa
</codeína nikélika>
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